BIOFORTIFICAÇÃO /BIOTECNOLOGIA

Neuza Maria Brunoro Costa PhD em Nutrição Humana, professora do Departamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, MG nmbc@ufv.br
Biofortificação biotecnologia baseia-se na habilidade de introduzir, com precisão, construções gênicas em um organismo, usando a tecnologia do DNA recombinante ou técnicas de engenharia genética para alterar os seus processos metabólicos favoravelmente.
A maioria das pesquisas de melhoramento de plantas das duas últimas décadas tem sido direcionada para aumentar a produtividade e resistência a doenças e pragas. Atualmente, a aplicação de biotecnologia às plantas tem sido direcionada para aumentar sua qualidade nutricional (Zimmermann e Hurrel, 2002).
Segundo Kishore e Shewmaker (1999), o desenvolvimento da biotecnologia pode ser dividido em três fases. A primeira fase consistiu na introdução de características agronômicas. Desde 1995, alguns produtos com melhores aspectos culturais têm sido lançados no mercado, com a soja Roundup Ready, tolerante ao glifosato, um ingrediente ativo do herbicida Roundup. Outro exemplo de produto com melhores aspectos culturais é o milho YieldGard. Este milho possui um gene que codifica para uma proteína inseticida que ocorre naturalmente na bactéria Bacillus thuringiensis e confere resistência à broca no milho, inseto que infesta a cultura e reduz sua produção de 6% a 20%.
A segunda fase da biotecnologia visa à produção de culturas de melhor qualidade. O melhoramento genético clássico tem produzido alimentos diferenciados, como a canola com alto teor de ácido erúcico e glicosinolato, milho ceroso com alto teor de amilose, arroz com grão longo e trigo durrun. Vários produtos para ração animal estão sendo desenvolvidos, entre os quais aqueles com grãos com alta densidade calórica, devido ao elevado conteúdo de óleo; e os de grãos com alta densidade de nutrientes, principalmente teor de proteína, aminoácidos essenciais ou micronutrientes. O milho com alto teor de óleo (6% ou mais) e/ou alto teor de proteína é resultado do melhoramento molecular. Outro exemplo da biotecnologia, introduzindo genes que alteram vias metabólicas, é a produção de gordura sólida ou semi-sólida sem ácidos graxos trans nas sementes oleaginosas. Isso é possível, inibindo-se a conversão de ácido esteárico para oléico em soja e canola. A melhoria de atributos como flatulência, flavor do feijão, propriedades de textura e emulsificação da soja também são exemplos de novos produtos da biotecnologia da segunda fase. A terceira fase da biotecnologia
Fotos cedidas pela autora
48 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento n.32 - janeiro/junho 2004 objetiva o uso de plantas como “biofábricas” produzindo alimentos nutricionalmente fortificados e substituindo a adição de constituintes sintéticos aos alimentos. Um exemplo é o óleo de canola rico em caroteno. Desse modo, a biotecnologia pode ser utilizada para suprir as deficiências nutricionais, como a vitamina A. A biotecnologia também pode ser usada para reduzir o conteúdo de fatores antinutricionais, assim como para fornecer novos nutrientes nos grãos, como os fitoesteróis, os quais têm o potencial de reduzir de 10% a 15% os níveis de colesterol em humanos. Outras aplicações da biotecnologia para um futuro próximo incluem a modulação de doenças pela manipulação de compostos antioxidantes, antiinflamatórios e estimulantes do sistema imune nos alimentos.
Proteínas
A melhoria do valor nutricional de plantas, enfocando a composição de aminoácidos das proteínas, tem sido objeto de programas de melhoramento de plantas há várias décadas. As proteínas dos cereais são normalmente pobres em certos aminoácidos essenciais. Em milho, lisina é o primeiro aminoácido limitante e triptofano, o segundo. Metionina e cisteína também estão presentes em pequenas concentrações, o que pode prejudicar a absorção de ferro e zinco no intestino (Graham et al., 1999).
A lisina é sintetizada junto com outros aminoácidos essenciais, como treonina, metionina e isoleucina, a partir do aspartato. A introdução dos genes que codificam as enzimas aspartato quinase e diidrodipicolinato sintase de bactérias menos sensíveis à inibição por lisina dentro da batata resultou em aumentos de 6, 8 e 2 x nos teores de lisina, treonina e metionina, respectivamente. O nível de lisina chegou a 15% do aminoácido total, enquanto nas plantas não transformadas esse nível foi de 1% (Sévenier et al., 2002).
A soja, embora seja uma das melhores fontes protéicas de origem vegetal, contém proteínas inferiores às de origem animal, por apresentarem deficiência em aminoácidos sulfurados. Portanto, a melhoria do valor nutricional e das propriedades funcionais da soja tem sido importante objetivo da indústria de alimentos. A metionina é o aminoácido limitante da soja e, devido à sua hidrofobicidade, sua inserção resulta na melhoria do valor nutricional e funcional dessa oleaginosa. O aumento da hidrofobicidade aumenta a formação de gel induzido pelo calor e a capacidade emulsificante da soja.
O gene que codifica uma proteína específica da semente, rica em aminoácidos essenciais e não-alergênica, AmA1, albumina do amarantos (Amaranthus hipochondriacus), foi introduzido na batata, resultando na melhoria de seu valor nutricional, com aumento do conteúdo total de proteínas e, principalmente, de aminoácidos essenciais. Um aumento de 2,5 a 4 vezes no teor de lisina, metionina, cisteína e tirosina foi observado em batatas contendo o gene AmA1 (Chakraborty et al., 2000). Portanto, a introdução desse gene possibilita aumento do valor protéico da batata, com perfil de aminoácidos essenciais semelhante ao padrão estabelecido pela FAO/OMS, e, ao contrário do que ocorreu com o gene da castanha-do-brasil, não apresenta alergenicidade.
As plantas transgênicas podem ser uma fonte alternativa viável de hemoglobina, uma vez que elas constituem uma fonte de biomassa barata, e as produções de culturas transgênicas têm sido disponíveis comercialmente em alguns países. As proteínas α e β-globinas da hemoglobina humana foram expressas em tabaco transgênico (Nicotiana tabacum var. Xanthi), transformadas usando Agrobacterium tumefaciens . Embora o tabaco tenha sido usado como planta-modelo, outras espécies podem fornecer maiores produções com etapas de purificação e esterilização mais simples. As plantas transgênicas oferecem consideráveis vantagens para produção em larga escala de hemoglobina recombinante e poderiam aliviar a dependência de limitados suprimentos de resíduos de sangue humano, assim como eliminando a contaminação de origens bacteriana e animal (Dieryck et al., 1997).
Plantas transgênicas podem expressar várias proteínas do leite humano. Por exemplo, tem sido demonstrado que o gene que codifica a β-caseína pode ser introduzido na batata, de forma que essa proteína possa ser detectada nas folhas e nos tubérculos na proporção de 0,01% das proteínas solúveis. Da mesma forma, α-lactoalbumina e lactoferrina podem ser expressas em tabaco. Essas tecnologias poderão, num futuro breve, possibilitar o uso de plantas na produção de alimentos infantis, com os benefícios dessas proteínas do leite humano (Dunwell, 1999).
Lipídios
A manipulação do perfil de ácidos graxos por meio da biotecnologia pode trazer benefícios nutricionais. O melhoramento convencional tem produzido óleos de girassol e amendoim ricos em ácido oléico, os quais são normalmente ricos em ácido linoléico. Por meio de mutações, em girassol, o conteúdo de ácido oléico aumentou de 29% para 84%. Mutantes da soja com menores teores de ácido palmítico e maiores teores de ácido esteárico têm sido obtidos (Liu et al., 2002). Essas alterações no perfil de ácidos graxos, aumentando o teor de ácidos graxos monoinsaturados e reduzindo o teor de ácido palmítico, têm implicações na redução do risco de doenças cardiovasculares.
Ácidos graxos trans
Lipídios
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Os ácidos graxos trans têm sido associados a efeitos indesejáveis nos lipídios sangüíneos, o que tem levado a indústria a reexaminar o uso de gordura hidrogenada na produção de margarinas e molhos. Através da biotecnologia, foi desenvolvida canola com elevado teor de ácido esteárico (18:0), pela supressão da enzima ∆9 dessaturase. O ácido esteárico, embora seja saturado, tem menos implicações no perfil lipídico, uma vez que pode ser convertido em ácido oléico no organismo. O óleo requer menor ou nenhuma hidrogenação e, portanto, não são produzidos ácidos graxos trans.
Outra forma de evitar a hidrogenação e a geração de ácidos graxos trans é aumentando a expressão do ácido oléico (18:1 n-9) no lugar do ácido linoléico (18:2 n-6) e α-linolênico (18:3 n-3), pela supressão da enzima ∆12 dessaturase. O óleo com mais ácido oléico é menos suscetível à oxidação.
Ácido γγγγγ-linolênico (GLA)
Os ácidos graxos ∆6-dessaturados são de grande importância para as células animais, por desempenharem papel na manutenção da estrutura e função da membrana, na regulação da síntese e transporte de colesterol e na prevenção da perda de água pela pele e como precursores de eicosanóides, incluindo prostaglandinas e leucotrienos. Em animais, esses ácidos graxos são sintetizados a partir do ácido graxo essencial linoléico (C18:2 ∆9,12), sendo a primeira etapa a dessaturação para ácido γ-linolênico (GLA; C18:3 ∆6,9,12), catalisada pela ∆6-dessaturase.
A atividade reduzida dessa enzima pode ser observada no envelhecimento, estresse, diabetes, eczema e em algumas doenças infecciosas, ou no catabolismo aumentado do GLA pela oxidação ou aumento da divisão celular (como exemplo, no câncer ou inflamação). Óleos contendo GLA são amplamente usados como suplementos e têm sido relatados como de uso farmacêutico. No reino vegetal, o GLA não é comumente produzido, entretanto, com o uso da biotecnologia, o DNA que expressa a enzima ∆6-dessaturase foi introduzido no tabaco a partir de Borago officinalis L., cujas sementes contêm cerca de 20% a 25% de GLA. Com isso, outras culturas com maior produtividade podem se tornar fontes e GLA (Sayanova et al., 1997).
Zinco
As principais fontes de zinco em populações pobres, que têm acesso limitado a alimentos de origem animal, são cereais, tubérculos e leguminosas, os quais têm baixa quantidade ou biodisponibilidade de zinco. O principal fator que reduz a biodisponibilidade de zinco em cereais e leguminosas é o ácido fítico (Ruel e Bouis, 1998).
As estratégias do melhoramento de plantas para controlar deficiências de zinco incluem o aumento da concentração de zinco nas plantas, redução da quantidade de ácido fítico e aumento da concentração de aminoácidos sulfurados (metionina e cisteína), os quais aumentam a absorção de zinco pelas plantas.
Ferro A alta prevalência de anemia fer- ropriva nos países em desenvolvimento tem sido associada ao consumo de ferro de baixa biodisponibilidade. O consumo de alimentos que aumentam a absorção de ferro não-heme, como frutas e vegetais, é freqüentemente limitado. Além disso, os grãos e leguminosas são ricos em ácido fítico, que é um potente inibidor da absorção de ferro (Lucca et al., 2002).
O enriquecimento com ferro, através do melhoramento genético ou da biotecnologia (biofortificação), tem sido uma alternativa com perspectivas sustentáveis para alimentos que fazem parte da dieta básica de populações, substituindo os suplementos dietéticos ou a fortificação de alimentos. Oferece, ainda, a possibilidade de aumentar a produtividade, que geralmente é limitada pela deficiência mineral da planta (Grotz e Guerinot, 2002).
O conteúdo de ferro nos tecidos da planta pode ser aumentado pela maior captação de ferro do solo. Na deficiência de ferro, as plantas liberam prótons, os quais reduzem o pH em torno da raiz, aumentando o teor de Fe3+ livre e estabelecendo um gradiente eletroquímico que direciona o transporte de ferro para dentro da raiz. Além disso, na deficiência de ferro, a enzima Fe3+ quelato redutase, que reduz o Fe3+ para a forma Fe2+ mais solúvel, é induzida e, finalmente, o Fe2+ é captado por transportadores. Essa redução do Fe3+ é uma etapalimite para a maioria das plantas. Gene que induz a superexpressão da redutase-oxidase 2 férrica (FRO2) de levedura tem sido expressa em tabaco, aumentando a atividade da Fe3+ quelato redutase (Grotz e Guerinot, 2002).
Proteínas transportadoras de ferro, como a Nramp (natural resistanceassociated macrophage protein) e IRT1 (iron regulated transporter 1), podem ser superexpressas, aumentando a concentração de ferro nas plantas. Culturas de milho, trigo e arroz usam da quelação com compostos de baixo peso molecular como estratégia para obter ferro do solo. Esses compostos da família dos fitossideróforos são liberados no solo, onde se ligam ao Fe3+, transportando-o para a planta. A superexpressão do gene NAAT (nicotinamide aminotransferase) leva ao au-
Arroz Dourado
50 Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento n.32 - janeiro/junho 2004 mento de fitossideróforos, que por sua vez eleva o conteúdo de ferro nessas plantas.
Para aumentar o conteúdo mineral em algum tecido específico das plantas através da manipulação transgênica, é necessário não somente aumentar a absorção do mineral pela raiz, mas também conduzi-lo aos diversos órgãos da planta (Grusak, 2002).
Com o objetivo de elevar o teor de ferro do arroz branco ou polido, foi realizada a inserção de genes que expressam três proteínas no endosperma central: fitoferrina de Phaseolus, proteína semelhante à metalotioneína, rica em cisteína endógena, e uma fitase de Aspergillus fumigatus termorresistente. A proteína semelhante à metalotioneína, rica em cisteína, superexpressa em arroz aumentou o conteúdo de resíduos de cisteína sete vezes e o nível de fitase 130 vezes. Isso possibilita uma atividade da fitase suficiente para degradar o ácido fítico completamente. Entretanto, a proteína fitase do fungo perde sua atividade após a cocção do arroz. A expressão de fitoferrina pode dobrar o conteúdo de ferro do endosperma do arroz, variando de 1,15 a 2,21 mg/100 g, em comparação com arroz-controle, que apresenta de 1,0 a 1,1 mg/100 g.
Os peptídios ricos em cisteína melhoram a absorção de ferro no intestino, pois são considerados os principais contribuidores na absorção de ferro. Outra opção para aumentar o conteúdo de ferro em plantas é a introdução de ácido ascórbico, hemoglobina e peptídeos contendo cisteína no tecido vegetal (Zimmermann e Hurrel, 2002).
O consumo extra de ferro no arroz transgênico parece ser de significância nutricional, considerando-se um consumo diário de 300 g de arroz por um adulto, o que representaria elevar de 3mg para 6 mg de ferro provenientes do arroz, o equivalente a 20% das recomendações diárias de ferro.
Beta caroteno e vitamina A
A deficiência de vitamina A é problema de saúde pública em mais de 70 países. Duzentos e cinqüenta milhões de crianças são deficientes de vitamina A, e a cada ano três milhões de crianças desenvolvem xeroftalmia (FAO/WHO, 1998).
A vitamina A é requerida para visão, crescimento, reprodução, proliferação e diferenciação celular e integridade do sistema imune. É fornecida na dieta como retinol pré-formado, principalmente como éster de retinol, pelos alimentos de origem animal e pelos carotenóides, pró-vitamina A, presentes em alimentos de origem vegetal.
O consumo de micronutrientes deve ser suficiente para prevenir deficiências e manter boa saúde. Em condições normais, uma dieta bem balanceada fornece quantidades suficientes de todos os nutrientes para o funcionamento adequado do organismo. Em condições fisiológicas específicas, o consumo de nutrientes por meio de alimentos naturais pode, entretanto, ser inadequado. Em tais casos, suplementos ou produtos fortificados podem prevenir a inadequação. A aplicação da biotecnologia em alimentos para aumentar o teor de β-caroteno (biofortificação) tem sido considerada uma opção atrativa (Winter e Rodrigues, 1997).
Em mandioca, o conteúdo de bcaroteno atinge mais de 20 mg/kg em algumas variedades. A intensidade da cor da raiz está altamente correlacionada com a concentração de caroteno, a qual parece ser determinada por dois genes, um que controla o transporte de intermediários para a raiz e outro responsável pelo processo de estocagem. O cultivar de tomate Caro-Red possui 10 vezes mais caroteno que cultivares normais, entretanto ele teve problemas de aceitação devido a cor menos vermelha (Graham et al., 1999).
Nos países tropicais, o arroz é beneficiado para remover a camada de aleuroma rica em óleo, para reduzir a rancificação durante a estocagem. Na porção restante, assim como no farelo,

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