HIDRELÉTRICAS DO RIO MADEIRA TENSÃO SOBRE O USO DO TERRITÓRIO E DOS RECUSRSOS NATURAIS

Hidrelétricas no Rio Madeira-RO: tensões sobre o uso do território e dos recursos naturais na Amazônia

Hydroélectriques dans la rivière Madeira-RO : les tensions sur l’usage du territoire et des ressources naturelles d’Amazonie
Hydroelectric at the Madeira River: tensions about the territory using and the natural resources in the Amazon
Maria Madalena de Aguiar Cavalcante e Leonardo José Cordeiro Santos

Resumos

A construção das usinas hidrelétricas (Jirau e Santo Antônio), iniciadas em 2008, no Rio Madeira, município de Porto Velho-RO, confere à parte da Amazônia Sul Ocidental Rondoniense, uma (re)valorização diante do contexto nacional e internacional devido ao potencial energético e ainda por compor parte de complexos para circulação e energia Sul-Americana. A materialização da obra incide sobre a intensificação dos conflitos sobre o uso do território e de seus recursos, fato comprovado a partir das análises feitas sobre as escalas de atuação dos atores e as estratégias na utilização dos recursos naturais na área de estudo. Os resultados ratificam que na Amazônia Rondoniense as políticas de infraestrutura estabelecidas são resultantes de interesses externos a região e, quando implantadas, desestruturam a lógica de organização local, elevando as tensões ambientais e sociais.
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Operarios no canteiro de obras da UHE Santo AntônioVisualizar a imagem
Créditos : Hervé Théry
1A Amazônia brasileira tem sido marcada por grandes impactos no uso e cobertura da terra devido à ampliação de infraestrutura de transporte e energia. Atualmente, a construção de duas usinas hidrelétricas no Rio Madeira, município de Porto Velho-RO, possibilita a análise entre duas escalas geográficas (global/local): na primeira a obra atribui à parte da Amazônia Rondoniense uma (re)valorização no contexto nacional e internacional devido ao potencial energético. Na segunda a (re)estruturação territorial que a obra promove no local quando estas são implantadas.Tal situação exibe, na área, tensões diante dos diferentes interesses sobre o uso do território e de seus recursos.
2Neste trabalho a atenção foi dada para identificação dos principais atores na área de influência das usinas hidrelétricas no Rio Madeira, bem como às estratégias de atuação sobre o uso do território e dos recursos naturais. O que torna esta discussão imprescindível à gestão do território, considerando que a área de influência das usinas passa a ter novas funções e, consequentemente, novas formas de organização local.

As Escalas de Apropriação dos Recursos e Uso do Território no Alto Rio Madeira

3A construção das usinas hidrelétricas no Rio Madeira faz parte de uma macro política cujo objetivo é o de integrar-se às outras obras de infraestrutura que compõem o eixo Norte-Sul (Orinoco-Amazonas-Prata) conforme indicado pela Integração das Infraestruturas Regionais Sul-Americana (IIRSA) (Melo, 2008).
4A IIRSA é uma articulação intergovernamental, iniciada em Brasília, no ano de 2000, com presidentes dos estados nacionais, constituídos na América do Sul para definir uma estratégia conjunta que pudesse integrar as infraestruturas físicas instaladas, alicerçadas na concepção de eixos de integração e desenvolvimento (Interocean, S/D; Coelho, 2010).
5A ideia de integrar a Amazônia às outras regiões do Brasil e continente Sul-Americano não é recente, vem desde o século XIX, foi intensificada a partir dos anos 90 mediante a criação de novas rotas comerciais com os chamados Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento (ENIDs), compostos pelos Corredores Estratégicos (Geipot, 1999). Os investimentos em infraestrutura na Amazônia, tais como projetos de agrovilas, estradas e hidrelétricas têm desencadeado impactos no ordenamento deste território, ligados, principalmente, a: a) fluxos migratórios, b) adensamento da ocupação, c) mudanças no uso da terra e, consequentemente, d) o desflorestamento e e) conflitos de terras. Estas mudanças contribuíram para alterações na forma de organização já estabelecida, resultando numa (re)estruturação territorial da área (Becker, 1982; Fearnside, 1989; Sayago, 2004; Monteiro, 2004; Théry, 2005).
6O complexo hidrelétrico de Jirau e Santo Antônio, em processo de construção, além de adicionar 6.450 MW ao sistema elétrico nacional, prevê também a construção de eclusas para ampliar a navegação. Há ainda a perspectiva de uma terceira usina binacional na fronteira Brasil/Bolívia e, outra na Bolívia, o que possibilitará a interligação de um trecho de aproximadamente 4.400 Km entre a fronteira Brasil-Bolívia até o Peru (NUNES, 2004; LAATS, 2010).
7Dentre os impactos ocasionados pela construção das duas usinas hidrelétricas, a mobilidade populacional se destaca com o processo de territorialização e (des)territorialização (Haesbaert, 2006; 2007). O primeiro processo é evidenciado na instalação do canteiro de obras pelas empresas construtora da barragem, e ao se apropriar de uma parte do rio para produção de energia, seguido pela atração de fluxo migratório, em torno de 20.000 trabalhadores envolvidos na construção da obra. O segundo ocorre com o deslocamento de 2.849 pessoas atingidas pelo reservatório de aproximadamente 529,30 km², com perda estimada de 25.300 hectares de áreas já utilizadas pela agricultura e pecuária (Furnas, 2005; Dhesca, 2008).
8A mobilidade populacional (atração e expulsão) promovida pela construção das usinas, caso não tenha um planejamento, é fato propulsor à ocupação acelerada e desordenada, tanto das cidades, quanto em áreas rurais. Junto a este processo há o rompimento de atividades de cunho tradicional como a pesca e o cultivo na várzea, prática tão comum nas comunidades ribeirinhas (Cavalcante et. al. 2011).
9O reservatório se estende ao longo do Rio Madeira, abrange parte da área rural de Porto Velho, passando pelos distritos de Jaci-Paraná, Mutum-Paraná e Abunã, trecho que soma cerca de 38.827 habitantes, sendo 6% atingidos pelo reservatório. São 1.087 pessoas atingidas pela usina de Jirau e, 1.762 pela usina de Santo Antônio, totalizando 1.100 pessoas em áreas urbanas e 1.749 pessoas nas áreas rurais (Cobrape, 2006). A Área de estudo foi delimitada com base na extensão da área alagada e limites administrativos dos três distritos mencionados (Cf. Fig. 01).
Figura 01: Localização e delimitação da área de estudo
Figura 01: Localização e delimitação da área de estudo
Fonte: Base Cartográfica compilada do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
10A apropriação do recurso hídrico (Rio Madeira) pelas usinas hidrelétricas chama a atenção, pois se no primeiro momento o empreendimento apresenta-se como importante eixo de integração Latino-Americano para agenciamento de um volume de investimentos de modo a impulsionar o desenvolvimento econômico nacional e Sul-Americano; no segundo, os impactos dessa apropriação incidem diretamente sobre a incompatibilidade dos diferentes usos dos recursos hídricos, cujo confronto está na geração de energia e atividades desenvolvidas pelos atores locais a exemplo do ribeirinho no cultivo na várzea.

O Território enquanto recurso Metodológico para Análise das Tensões Socioambientais

11A tensão sobre o uso deste território e de seus recursos é evidenciada a partir da sobreposição da escala global/nacional à local e dizem respeito ao desequilíbrio ou desacordo em decorrência da implantação das usinas hidrelétricas (Santos, 1991; Souza, 2003).Deste modo, o conceito de território, que é toda ação que implica na apropriação (limite abstrato ou concreto) para o exercício de uso e poder, permite compreender como as relações de poder e as respectivas escalas de ação e atuação são refletidas na área de estudo. (Raffestin, 1993; Santos & Silveira 2005; Souza, 2006). Seguindo esta reflexão, foram três momentos essenciais na realização da pesquisa:
12(I) O primeiro foi constituído pela pesquisa bibliográfica e documental (Estudo de Impacto Ambiental-EIA, Relatório de Impacto Ambiental-RIMA, Projeto Básico Ambiental-PBA e outras fontes) para obtenção de informações técnicas sobre a dimensão dos impactos ocasionados pelas usinas do Rio Madeira;
13(II) O segundo foi composto pelo trabalho de campo, para o reconhecimento da área diretamente e indiretamente afetada pelo reservatório, com auxilio de mapas da área de estudo e projeção do reservatório, e ainda a identificação dos grupos atuantes e sua relação de uso dos recursos naturais a partir das atividades desenvolvidas no local. Com base no entendimento de que a apropriação do território e de seus recursos é dada pelos sujeitos, estes foram representados por grupos sociais, econômicos e gestores públicos para a realização das entrevistas.
14(III) O terceiro momento foi estabelecido pela realização das entrevistas qualitativas, com representantes dos grupos locais. As entrevistas semiestruturadas foram realizadas com a combinação de perguntas abertas e fechadas, conforme sugere Boni e Quaresma (2005). O diálogo foi estabelecido com representantes/lideranças e a administração local, pois estes, efetivamente, possuem uma relação com o lugar e, participam ativamente da dinâmica deste território.
15O objetivo das entrevistas foi obter dos grupos a descrição de suas atividades, antes e posterior à construção das usinas, sobretudo aqueles associados ao uso dos recursos naturais (hídrico, florestais, minerais e a atividade da pecuária), definidos pelos respectivos sujeitos:
16a) os atores sociais são constituídos pela sociedade civil organizada. Nesta categoria encontram-se: as associações de garimpeiros, pescadores, e agricultores familiares; além destes, foram também considerados os moradores mais antigos do local por terem vivenciado os processos de mudanças nas comunidades. Para estes atores a intencionalidade sobre o uso dos recursos naturais consiste em atender às necessidades individuais e coletivas;
17b) os atores econômicos são representados na área, pelos madeireiros e grandes fazendeiros (pecuarista e sojicultor), os quais se apropriam dos recursos naturais para ampliação do capital. Estes, quando comparados à empresa construtora, se diferenciam pela escala de atuação e apropriação dos recursos naturais;
18c) os gestores públicos são aqui concebidos pelos administradores locais. Estes buscam gerenciar e normatizar o uso do território e de seus recursos naturais por meio de instrumentos como as leis e normas.
19Foram entrevistadas 13 lideranças locais, distribuídas em: (presidente da associação dos garimpeiros do Rio Madeira (1); presidente da colônia de pescadores (1); presidente da associação de produtores rurais (1); presidente de moradores (1); moradores antigos em cada distrito (mais de 30 anos residentes), os quais têm na pesca e cultivo de várzea a principal atividade (3); dono da maior madeireira da região (1) e donos das maiores fazendas de pecuária e grão da região (2). Por fim, os administradores locais dos três distritos (3).
20As informações obtidas permitiram identificar cenários descritos pelos entrevistados quanto à atuação dos grupos locais diante das usinas, classificar o estágio de uso do território a partir do uso dos recursos naturais e, por conseguinte, explicitar a influência das usinas hidrelétricas no uso do território e nas atividades ora desenvolvidas.

O Uso do Território e dos Recursos Naturais no Alto Rio Madeira

21O uso dos recursos naturais no Alto Rio Madeira é praticado pelos madeireiros, agricultores familiares, pecuaristas, pescadores, garimpeiros, ribeirinhos e sojicultores. Estes configuram e dinamizam o território da seguinte forma:
22I) A atividade madeireira desempenha uma significativa contribuição na base econômica na área analisada. No ano de 2000, o município de Porto Velho representava 2% da exploração madeireira do Estado, ocupando o 20º lugar, com seus 10.896 m³ em tora, já no ano de 2010, a exploração deste setor correspondeu a 29% da produção do Estado, com 444.379 m³ em tora, destacando Porto Velho em 1° lugar no ranking (Brasil, 2010). Ainda que a exploração madeireira na área seja primária, esta atividade agrega outros serviços que dinamizam o comércio local, tais como: serviços de mecânica de caminhões e tratores utilizados na extração de madeiras, empregos em serrarias (Cf. Fig. 02/A), setor moveleiro e marcenarias. A exploração madeireira é, muitas vezes, apoiada pelo agricultor familiar de quem os madeireiros compram o direito de exploração em troca de acesso ou benfeitorias nas estradas, sendo este, um método muito utilizado na Amazônia (Rivero, 2004; Cavalcante, et. al. 2011).
23II) A agricultura familiar de terra firme é encontrada basicamente fora do eixo da rodovia principal (BR-364). O município de Porto Velho possui 84% de áreas destinadas às lavouras permanentes, a exemplo, do palmito, da borracha e da banana, e 16% para lavoura temporária, com destaque para a mandioca e melancia, (Brasil, 2010). A agricultura é exercida principalmente em áreas de ocupação mais recente (últimos 10 anos), como os Projetos de Assentamento Joana D’arc I, II e III e áreas circunvizinhas ao povoado de União Bandeirantes, neste último, o processo de substituição da floresta pela agricultura é acelerado (Cf. Fig. 02/B), após garantir o acesso a terra, os agricultores contribuem, em parte, para o processo da extração de madeira de valor comercial, em seguida promovem o desmate para o plantio agrícola ou a inserção direta da pecuária (Fearnside, 1993; Queiroz, 2000).
Figura 02: Atividade Madeireira e Agricultura familiar
Figura 02: Atividade Madeireira e Agricultura familiar
A: A atividade Madeireira é mais evidente no distrito de Jaci-Paraná do que nos outros distritos
Imagens: Maria Madalena Cavalcante, 2010.
B: Cultivo de banana e café na região de União Bandeirantes
24III) A pecuária é encontrada na forma extensiva (Cf.Fig. 03/A), apresenta-se com maior intensidade no eixo da BR-364, onde as propriedades são maiores e possuem melhores infraestruturas (estradas e eletrificação). Fora do eixo da BR se divide entre a destinada ao corte e a produção de leite (Piketty, 2004). No ano de 2000, esta atividade deu a Porto Velho, a 13° posição no ranking estadual, com 160.918 cabeças. Nos últimos 5 anos, o município vem mantendo o 1° lugar no ranking, atualmente representa 5% da produção do Estado com 609.860 cabeças (Brasil, 2010).
25IV) A monocultura de grãos é recente na região de Porto Velho, encontra-se em fase de experimento em uma das maiores propriedades localizada entre Abunã e Mutum-Paraná, alterna-se entre soja, milho e arroz. A inserção da soja é novidade nesta área, principalmente pela disfunção com a legislação ambiental, pois, conforme Lei Complementar nº 233/2000 que dispõe sobre o Zoneamento Socioeconômico e Ecológico de Rondônia (ZSEE), no que se refere à zona 2 - subzona 2.2, estas são áreas em que a ocupação não deve ser estimulada e, o uso econômico é restrito, sendo possível somente por meio de manejo (Rondônia, 2002). No entanto a atividade exercida requer grande área desmatada, contrapondo o instrumento de ordenamento territorial existente (Cf. Fig. 03/B).
Figura 03: Pecuária e cultivo de grãos
Figura 03: Pecuária e cultivo de grãos
A: Pecuária Extensiva no distrito de Mutum-Paraná
Imagens: Maria Madalena Cavalcante, 2010.
B: Plantio de milho na fazenda Santa Carmen, divisa ente Mutum-Paraná e Abunã
26V) A prática do cultivo na várzea é exercida pelos ribeirinhos, sobretudo no período de seca, cultivada às margens do Rio Madeira, abrange o plantio de melancia, mandioca e outros alimentos, mantendo a cobertura vegetal sem grandes alterações (Cf. Fig. 04/A). Porém, o enchimento do reservatório gerado pelas usinas hidrelétricas impede que a atividade seja praticada a montante dos barramentos. Estudos realizados por Fearnside (2006) apontam que a área jusante do barramento também será impactada, destacando o impedimento do processo de fertilização da várzea, devido o represamento das águas.
27VI) O garimpo é praticado ao longo do Rio Madeira (da Cachoeira de Teotônio à Cachoeira Paredão) desde a década de 70. Existem, aproximadamente, 3.000 (três mil) garimpeiros cadastrados na cooperativa dos Garimpeiros do Rio Madeira (Leme, 2005) e, embora a atividade não tenha a mesma intensidade, possui permanência até os dias atuais (Cf. Fig. 04/B). Segundo dados do EIA/RIMA, foram registrados, em 2004, a presença de 224 equipamentos, entre dragas, balsas e apetrechos manuais de mineração, utilizados por cerca de 870 garimpeiros, atuando na extração do ouro no Rio Madeira. Diante da construção das usinas hidrelétricas, a atividade será dificultada ou inviabilizada (COBRAPE, 2006).
Figura 04: Área de várzea e atividade garimpeira no Rio Madeira
Figura 04: Área de várzea e atividade garimpeira no Rio Madeira
A: Área de Várzea muito utilizada no cultivo de lavoura temporária
Imagens: Gizele Carvalho Pinto, 2007 e Maria Madalena Cavalcante, 2010.
B: Atividade garimpeira do ouro aluvião no Rio Madeira
28VII) A atividade da pesca é praticada para o consumo e comércio local, desenvolvida ao longo do Rio Madeira. Segundo Leme (2005), existe, cerca de 1.952 pescadores cadastrados na colônia de Porto Velho, a quantidade capturada em média é de 17 km/dia. A atividade tem sido prejudicada com a construção das usinas, em função do deslocamento de vilas de pescadores, a exemplo de Teotônio e Amazonas, além da mortandade de peixes ocasionada pelas implosões das rochas nas cachoeiras. Soma-se a isso, a não adaptação de determinadas espécies, como bagres, ao novo ritmo hidrológico, bem como a redução do fluxo de reprodução de peixes migradores, acima das cachoeiras e, mesmo com o sistema de escadaria para a transposição dos peixes, o pescado tem sido reduzido nas comunidades, tanto à montante quanto à jusante (Brasil, 2004; Leme, 2005).
29A geração de energia hidroelétrica a partir do barramento nas cachoeiras de Jirau e Santo Antônio no Rio Madeira, representa uma nova modalidade no uso dos recursos hídricos na região pelas empresas consorciadas (Odebrecht, Furnas Centrais Elétricas, Construtora Norberto Odebrecht, Andrade Gutierrez, Cemig, Banif e Santander, Suez, Camargo Correia, Chesf e Eletrosul). Este uso influência direta e indiretamente nos demais, levando à intensificação de usos que promovem a substituição da floresta e restrição dos usos de cunho tradicional.

Tensões Sobre o Uso dos Recursos Naturais no Alto Rio Madeira

30Diante da construção das usinas hidrelétricas no Rio Madeira, os grupos atuantes na área, quando investigados, apresentaram três cenários: 46% dos entrevistados se consideram pessimistas, 31% estáveis e 23% otimistas.
31No Cenário Pessimista encontram-se: a associação de moradores, moradores antigos, pescadores e garimpeiros. No caso dos moradores antigos, estes atores são solidários aos demais, principalmente aos pescadores e garimpeiros, por terem parentes, conhecidos ou já exerceram tal atividade. Por esta razão, externalizam um sentimento coletivo. Os pescadores e garimpeiros, representados aqui pelos presidentes das associações, colocam-se neste cenário, dado os exemplos ocorridos em outros lugares com a construção de barragem e, incertezas e falta de esclarecimentos quanto ao exercício de suas atividades com as hidrelétricas. Por esta razão, colocam-se pessimista, considerando que o futuro de sua atividade é incerto.
32No Cenário Estável apenas o setor madeireiro e administração local se colocam neste cenário por acreditarem que as atividades por eles desenvolvidas não serão impedidas, pois, embora sejam remanejados para outro local, afirmam que terão as estruturas já existentes, como é o caso da energia, escolas, atendimento à saúde e outros serviços.
33No Cenário Otimista encontram-se os agricultores familiares das áreas em expansão e os fazendeiros. O primeiro associa a construção das usinas com melhorias em infraestruturas, como estradas e emergia. Os fazendeiros (pecuaristas e sojicultores) sentem-se otimistas pela possibilidade do crescimento populacional e o surgimento de mão de obra qualificada em determinados setores. Acreditam que com maior número de pessoas vindas de outras regiões, terão das autoridades competentes, melhores infraestruturas para o suprimento das demandas já existentes.
34Os projetos hidrelétricos dividem opiniões, ora aparece como uma possibilidade de desenvolvimento, em outra como a impossibilidade e aniquilação de determinadas atividades. O choque de interesses frente a implantação das usinas hidrelétricas é convertido em tensões ambientais e sociais, dado as diferentes formas de apropriação dos recursos naturais na área de estudo, conforme esboço no quadro 01.
Quadro 01: O uso do território e dos recursos naturais no Alto Rio Madeira
Quadro 01: O uso do território e dos recursos naturais no Alto Rio Madeira
Elaborado a partir de Brasil (2004); Cobrape (2006); Dhesca (2008) e diálogo e trabalho de campo.
35As tensões apontadas ganham uma dimensão espacial, a partir do entendimento da territorialidade dos atores e das características de uso dos recursos naturais, sendo possível ainda uma temporalização (Saquet, 2011). De acordo com a peculiaridade dos fatos evidenciados na área de estudo, estabeleceu-se os estágios de usos do território, classificados em: áreas de Uso Consolidado, em Expansão, em fase de Implantação, Uso Institucional e Zona de Tensão, conforme a descrição e espacialização a seguir:
36As Áreas consolidadas possuem duas características principais. A primeira trata-se de áreas cuja ocupação é mais antiga, neste caso, as margens do Rio Madeira utilizadas para o cultivo na várzea e, o entorno da BR-364, onde se concentra boa parte da pecuária. A segunda versa sobre a permanência da atividade em várias gerações e organização social (cooperativa), vinculadas à pesca e garimpo, todas situadas ao longo do Rio Madeira. Há que se destacar ainda o extrativismo exercido pela população ribeirinha às margens do rio.
37As Áreas em expansão são compostas por áreas de exploração e ocupação mais recente, estas se situam nas proximidades do povoado de União Bandeirantes a sul da área de estudo e nos projetos de assentamentos Joana D’arc I, II e II, parte nordeste, possuem atividades voltadas para a agricultura, pecuária de leite e exploração madeireira. Esta área requer a atenção da gestão pública, ações que possam minimizar pressões exercidas em Unidades de Conservação e Terras Indígenas.
38As Áreas em fase de implantação são áreas em que as atividades são recentes, embora na figura 06 apareça como áreas pontuais ou em menor proporção, são significativas no contexto analisado, é o caso da soja localizada nas proximidades do distrito de Abunã que se encontra em fase de experimento nos últimos cinco anos e, a própria instalação das usinas para geração de energia, estas comparadas as demais se destacam como inovação.
39As Áreas de uso institucional são destinadas às unidades de conservação e terras indígenas. Seu uso é regulado por legislações especificas (lei Federal nº 9.985/2000 e decreto nº 1.775/96 respectivamente), em Rondônia a lei nº 233, de 06 de junho de 2000 que dispõe do Zoneamento Socioeconômico e Ecológico – ZSEE do Estado destaca as finalidades de uso, estas passam a ser pressionadas pelas áreas já em expansão (Brasil, 1996; 2000; Rondônia, 2002).
40A construção das usinas hidrelétricas modifica uma parte das áreas consolidadas, sobrepondo-a, formando uma zona de tensão e instabilidade, alterando os padrões e estágio de uso do território (Cf. Fig. 05) devido à incompatibilidade de usos dos recursos hídricos (rio). Esse conflito pelo uso dos recursos, em ultima análise, determina o conjunto de atores sociais envolvidos, seus posicionamentos, interesses e oposições distintas. É no campo do conflito que os atores se movimentam, demarca seu território, impõe regras e limitações que acabam por definir os recursos e opções de atuação disponíveis (Nascimento, 2001)
Figura 05: Espacialização do uso do território e dos recursos naturais na área de influência das usinas do Rio Madeira
Figura 05: Espacialização do uso do território e dos recursos naturais na área de influência das usinas do Rio Madeira
Fonte: Base Cartográfica compilada do Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Área dos reservatórios extraída do EIA/RIMA - Furnas Centrais Elétricas, 2005.
41As alterações mais significativas sobre o uso dos recursos naturais estão nas áreas que eram tidas como consolidada, principalmente as atividades de cunho tradicional, estas, muito tem contribuído para o posicionamento do município de Porto Velho no ranking de algumas produções extrativistas, a exemplo do açaí, que, ocupa o 2° lugar no ranking Estadual, com uma produção de 143 toneladas do fruto, perdendo apenas para Guajará-Mirim, com 188 toneladas onde se concentra grande parte das áreas extrativistas do Estado (Rondônia, 2002). Já na produção de castanha do Brasil, Porto Velho se destaca em 1° lugar com 1.412 toneladas, superando Guajará-Mirim que ocupa o 2° lugar com uma produção de 102 toneladas. Na produção de óleo de Copaíba o município ocupa o 3° lugar com 2 toneladas anual e, na produção de borracha, o 4° lugar lhe é conferido com 23 toneladas (Brasil, 2010).
42Parte das áreas consolidadas passa então a ser zona de tensão durante a construção da obra e, após sua conclusão entram no processo de declínio. Neste sentido, é preciso reiterar que o deslocamento populacional ocasionado por hidrelétricas na Amazônia, não se assemelha as outras regiões. As comunidades ribeirinhas possuem um modo de vida peculiar que a distingue das demais populações do meio rural ou urbano. Possui relação intrínseca com o rio, seu regime de cheia e vazante regula o seu calendário para práticas produtivas, basicamente divididas entre a agricultura na várzea e pesca (Silva e Souza Filho, 2002; Fraxe et. al., 2007; Cavalcante, et. al., 2007).
43O remanejamento de comunidades ribeirinhas para novas áreas incide na conversão para novos usos dos recursos naturais, sem garantir sua estabilidade econômica, social e ambiental.

Conclusão

44As usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio representam a desestruturação das atividades e modo de vida dos que possuem relação direta com o Rio Madeira. Para os que não dependem do rio para o exercício de suas atividades, tem na construção das usinas, a possibilidade de melhorias e perspectivas de ampliação do capital.
45Os resultados ratificam que na Amazônia Rondoniense as políticas de infraestrutura, quando implantadas sob a lógica de mercado, para atendimento de interesses externos, desestruturam a lógica de organização local, elevando as tensões socioambientais, devido à sobreposição da escala global em detrimento à local. No caso em tela, a construção das hidrelétricas no Rio Madeira estabelece uma nova forma de organização. Áreas que anterior a sua construção eram caracterizadas como consolidada, passam a ser tensionadas e entram em estágio de declínio. Já as atividades que exigem a substituição da floresta tendem a ser intensificadas, a exemplo da pecuária e exploração madeireira. O que, de certa forma, expõe as populações ribeirinhas, terras indígenas e áreas de unidades de conservação às pressões, contribuindo assim para a intensificação dos impactos que deixam de ser geridos pela empresa e passam a ser de responsabilidade da gestão pública.
46A tensão se deve principalmente à garantia do uso múltiplo da água, cuja prioridade é dada à geração de energia em detrimento aos outros usos existentes, a exemplo do cultivo na várzea feito pelos ribeirinhos, impossibilitando a reconstituição de seu modo de vida, o garimpo e a pesca. O resultado da alteração no padrão de uso dos recursos naturais potencializa as atividades que exigem a substituição da floresta.
47Compreender esta dinâmica significa: I) evidenciar os atores atuantes na área; II) entender as estratégias de atuação no uso dos recursos naturais; III) desvendar as tensões socioambientais intrínsecas à implantação das hidrelétricas e, por fim, IV) contribuir com subsídios à gestão pública na possibilidade de pensar em direcionamentos e ações políticas que possam minimizar os impactos apontados na dinâmica local para decisões sobre a gestão do território.
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Bibliografia

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